Em uma conversa com Kai Isaias, a Diretora-Presidente do Espaço Força e Luz, Verônica Fernandez detalhou a motivação e os objetivos do projeto emergencial Espaço Força e Luz. Lançado em resposta a uma das maiores emergências climáticas que o Brasil enfrentou nas últimas décadas, o projeto visa apoiar a economia criativa e os profissionais da cultura, severamente impactados pelas inundações que atingiram Porto Alegre.
Verônica ressaltou a urgência de oferecer suporte imediato aos artistas e produtores culturais, destacando a iniciativa de alugar gratuitamente as salas do espaço para que esses profissionais possam retomar suas atividades e garantir o sustento de suas famílias.
"A nossa ideia era abrir as salas o mais rápido possível para a ocupação, em um prazo que fosse útil para as pessoas que passaram o mês de maio todo sem poder oferecer o seu trabalho, sem poder arrecadar recursos para os seus lares", explicou.
A gestora também abordou a flexibilidade e a solidariedade da equipe do Espaço Força e Luz em adaptar-se às adversidades causadas pelas enchentes, garantindo a continuidade das atividades culturais e a recuperação do espaço físico.
"Nós estamos muito seguros de que, através da comunicação, do diálogo franco, a gente conseguiu encontrar um lugar comum em que vai ser possível recuperar a edificação e, simultaneamente, retomar a programação cultural e a convivência no Espaço Força e Luz. ", disse Verônica.
Com um número recorde de inscrições em apenas cinco dias, a iniciativa demonstra a relevância e a necessidade de ações rápidas e eficazes em momentos de crise. Verônica enfatizou o impacto positivo do projeto não apenas para os profissionais da cultura, mas também para a comunidade local, promovendo um ambiente de acolhimento e colaboração.
Confira a seguir a entrevista completa com Verônica Fernandez, que oferece uma visão detalhada sobre a importância do Espaço Força e Luz e o papel crucial da cultura na recuperação e resiliência comunitária em tempos de adversidade.
Kai Isaias: Então, eu vou começar com a primeira pergunta, que é... Tu podes nos contar um pouco sobre a motivação por trás do lançamento do projeto emergencial Espaço Força e Luz?
Verônica Fernandez: Como todos os nossos projetos, a ideia sempre parte da vontade de cumprir de forma significativa o papel social do Espaço Força e Luz... Então, durante uma das maiores emergências climáticas que assolaram o Brasil nas últimas décadas, nós, como uma entidade cultural, priorizamos estar atentos às necessidades da economia criativa e às demandas dos profissionais da cultura, que são a nossa comunidade, são as pessoas que nos frequentam, que convivem com a gente diariamente. Por isso, ainda que a gente também tenha sido afetado fisicamente pela água, como todos no Centro de Porto Alegre, nós buscamos criar um projeto, uma proposta, que fosse ao encontro das necessidades mais urgentes de restabelecimento da economia criativa. A nossa ideia era abrir as salas o mais rápido possível para a ocupação, em um prazo que fosse útil para as pessoas que passaram o mês de maio todo sem poder oferecer o seu trabalho, sem poder arrecadar recursos para os seus lares. A nossa ideia era... Era cumprir um papel ativo nessa recuperação.
Kai Isaias: Eu tinha uma pergunta em relação à pergunta anterior, que é por que esse projeto especificamente? No sentido de entre todas as possibilidades que poderiam ser feitas nesse momento, por que se escolheu especificamente esse aluguel gratuito das salas?
Verônica Fernandez: A ideia de oferecer as salas do espaço é estimular a retomada das atividades e a remuneração dos proponentes das atividades culturais, onde a gente percebeu uma carência do recurso imediato. Nós temos certeza de que a ajuda virá das diversas instâncias de governo, da solidariedade do Brasil inteiro. A gente tem consciência de que as pessoas vão receber outros auxílios, mas nossa proposta foi oferecer as salas como recurso imediato para atender as necessidades primárias dos artistas e das pessoas proponentes de atividades culturais. Afinal, como é que os artistas vivem? Os artistas vivem da sua produção. Como os produtores culturais vivem? Eles também vivem do seu trabalho... Parece óbvio, mas muitas vezes a gente esquece de fazer esse raciocínio, porque o produto desse trabalho é um produto sensível pela experiência artística, que mexe com a nossa apreciação estética, que muitas vezes é lúdico ou inusitado.... então as pessoas às vezes esquecem que esse produto também faz parte de uma relação econômica de subsistência, de primeiro nível. Essa relação vai ser importante para o boleto, para o pão de cada dia, esta é a realidade para muitas das pessoas que trabalham no Espaço Força e Luz e que dali tiram seu sustento. Por isso, no nosso sentir, a reabertura era urgente, segue sendo urgente, e estamos muito felizes por ser um dos primeiros espaços afetados a reabrir... e por retomar nossas atividades com esse projeto de acolhimento, de solidariedade. Na nossa percepção, a vocação do Espaço Força e Luz é trazer essa esperança de volta para o mercado da cultura, para a economia cultural. A ideia é muito coerente com a nossa visão do trabalho. Sempre foi essa a nossa proposta.
Kai Isaias: E como você enxerga o papel do projeto nessa reconstrução? Como você acha que agora que a gente já está com praticamente uma semana, a gente está aí com cinco dias de inscrições abertas...
Verônica Fernandez: A aceitação da comunidade foi muito grande, né? Em tão pouco tempo, a gente viu uma quantidade significativa de projetos encaminhados...
Kai Isaias: Como você enxerga isso dentro do... Do que o Força e Luz já vinha fazendo antes? Esse encontro entre esses dois momentos?
Verônica Fernandez: Existem coisas que a gente pode fazer e coisas que a gente deseja fazer, dentro de um cenário de uma organização privada que precisa gerir a sua autonomia financeira. E ela tem suas limitações naquilo que pode ofertar, considerando que a instituição tem apenas 3 anos. O projeto emergencial, em algum aspecto, é um desses projetos que a gente sempre desejou fazer, ele reflete o olhar da nossa equipe... Porque o Espaço Força e Luz é um time de pessoas que se preocupa com a realidade do mundo lá fora, sabe? Todos os nossos projetos são pensados para as pessoas, para o público e para os artistas, buscando ouvir e atender as suas necessidades. E neste momento nossa intenção é estimular a economia criativa e contribuir para o resgate econômico dos artistas. Além disso, o Projeto Emergencial do Espaço Força e Luz também trouxe um olhar aí de retomada da programação cultural, de resgate do cotidiano, que atende àquela vontade de sair para se reconectar, para trabalhar nos projetos que as pessoas vinham desenvolvendo e pesquisando. A gente percebeu que a convivência com os destroços, a sequência contínua de situações muito adversas, exigiam uma oportunidade de respiro. Nesse contexto, o projeto também é uma oportunidade de voltar a frequentar um espaço cultural, de trabalhar num lugar em que há possibilidade de se conectar com outras pessoas, a gente espera que essas novas conexões também sejam um alívio, um bálsamo. Por isso, cada um da equipe tentou trazer o olhar da sua especialidade para o projeto... da comunicação, do educativo, da própria execução dos projetos, da parte de acervo, da experiência museológica, nós todos contribuímos com esse projeto.
Neste momento de crise, a gente sabe que é pouco, a gente desejaria fazer muito mais. É uma gotinha no oceano de necessidades dessa emergência, mas a gente espera que ela seja um bálsamo, uma oportunidade para as pessoas poderem se reconectar, num lugar que é aprazível num certo sentido, que é acolhedor e que vai estar cheio de gente disposta a trabalhar e feliz por receber. Isso, neste momento, também é interessante e muito relevante nesse projeto.
E de uma maneira geral, eu percebo que o que a gente está fazendo, pela adesão, também é proporcionar uma retomada para o Espaço Força e Luz, um projeto com 80 e tantas inscrições em apenas 5 dias, é um recorde para a gente, porque foi muito rápido. Esse retorno era o nosso objetivo, mas ainda assim está sendo muito surpreendente, porque a gente sabe que tem toda uma logística, as pessoas têm que ativar os seus contatos, têm que organizar a execução prática da proposta. Eu até disse para o pessoal durante a fase de planejamento: a gente precisa liberar esse projeto para divulgação com antecedência ou as pessoas não vão se inscrever para os primeiros dias... Mas não, elas se inscreveram desde o primeiro dia para reservar as salas disponíveis no primeiro de ocupação mesmo. E esse resultado foi muito gratificante para a gente, porque pela adesão dos proponentes deixou claro que o projeto atende uma demanda real. A recepção da nossa comunidade é o melhor indicador de que a gente acertou no atendimento a uma necessidade real e imediata. E isso é muito bacana.
Kai Isaias: Quais os principais benefícios que os artistas e profissionais da cultura podem esperar ao participar desse projeto?
Verônica Fernandez: Primeiro, uma equipe muito disponível e muito atenta às necessidades dos artistas e dos proponentes. Além de um prédio lindo e toda a infraestrutura que a gente conseguir ofertar. A equipe tem consciência de que as demandas tecnológicas e as condições de uso do espaço ainda não estão plenamente restabelecidas. Mas estamos trabalhando todos os dias, com muita dedicação, para oferecer as melhores condições técnicas possíveis para a realização destes projetos que estão se candidatando à ocupação do prédio. Para além desse acolhimento supergeneroso da equipe, que eu tenho certeza de que vai ser o nosso carro-chefe, o Espaço Força e Luz é muito bem localizado, por isso a gente acredita que o público vai acolher as iniciativas dos artistas. Acho que a gente vai ter muito público para todas as atividades propostas. As que eu pude ler até o momento são interessantíssimas. Com públicos muito diversos. Existe uma representatividade bem abrangente, tanto de proponentes, quanto de público-alvo das atividades. E toda essa diversidade também será uma possibilidade de troca riquíssima. Porque vai estar todo mundo se esbarrando por ali pelos corredores para conversar, para comparar experiências, para falar sobre esse momento que é traumático, esse momento que foi e está sendo de superação para as pessoas. Acho que estar conectado com a sua comunidade também é importante psicologicamente e afetivamente nesse momento. E... E é isso. Vai ser um grande e generoso abraço de grupo. É isso que eu espero que as pessoas que participarem recebam.
Kai Isaias: Vai ser sim. Estamos animadíssimos para voltar. De que forma o espaço está preparado para apoiar essas iniciativas durante esse período do projeto? Apesar de termos sido afetados com as enchentes, como está a infraestrutura?
Verônica Fernandez: A gente gostaria de reabrir o mais rápido possível para poder fazer essa economia criativa se articular e se reerguer mais rapidamente dentro do que nos cabe, né? Ao mesmo tempo, a gente se preocupa porque as pessoas vão conviver um pouco com os reparos. Porque nós passamos, acho que, 15 dias com água de meio metro no primeiro andar. E aí a gente teve que refazer reboco, parte estrutural, elevador e tem também o cabeamento lógico e a internet, que foram afetados... Então, a gente está conversando com cada proponente individualmente, avaliando as necessidades de cada projeto e dando retornos específicos sobre essas condições de possível instabilidade de elevador, possível instabilidade para comunicação e para o uso do wi-fi. Foi por ter consciência dessa instabilidade que a gente não ofereceu a infraestrutura que a gente costuma oferecer. A gente ofereceu aquilo que a gente pode garantir que vai funcionar, mas estamos trabalhando para estar à altura do nosso padrão. A gente está trabalhando para estar funcionando 100% no dia 17. É a nossa expectativa. E nos conforta constatar que as pessoas proponentes também estão sendo muito generosas e retribuindo a nossa acolhida com uma anuência completa dessas condições. “Não, não se preocupem com isso. A gente vai encontrar uma maneira de realizar”. Então, nós estamos muito seguros de que, através da comunicação, do diálogo franco, a gente conseguiu encontrar um lugar comum em que vai ser possível recuperar a edificação e, simultaneamente, retomar a programação cultural e a convivência no Espaço Força e Luz.
Kai Isaias: Coisa boa saber que esse abraço está sendo de mão dupla. E que as pessoas estão acolhendo que é uma abertura bem incomum, tal qual o projeto, uma abertura emergencial. E acolhendo que, talvez, aquilo que existia antes não vai ser igual. Que bom que as pessoas estão sendo sensíveis também aos danos que a gente recebeu. Porque nós também fomos afetados por esse processo todo, essa tragédia toda. E aí essa última pergunta, que é qual a tua expectativa em termos de um impacto a longo prazo desse projeto, tanto para a comunidade artística cultural do Rio Grande do Sul, principalmente Porto Alegre e região, quanto para o Força e Luz? Porque nós trabalhamos muito em comunidade. Então não tem como falar de fora sem falar um pouco de dentro.
Veronica Fernandez: Eu penso que não haveria maneira melhor de a gente dar início à celebração dos 30 anos de aniversário do tombamento do Edifício Força e Luz como Patrimônio Histórico e Arquitetônico. Acho que a melhor homenagem que a gente pode prestar a essa edificação é torná-la útil, verdadeiramente significativa para a sua comunidade. Muito além de ser um artefato de memória, o que já é muito relevante, ela é uma presença viva e atenta às necessidades da sua comunidade. O Força e Luz conseguiu mostrar com esse projeto que as pessoas realmente podem contar com um espaço de participação inclusiva e democrática. Mesmo em uma situação de adversidade extrema, assim que o Espaço se reergueu, ele estendeu a mão. E a gente percebeu, como equipe, que isso é inspirador, essa ideia de retomar o trabalho através de um projeto que é solidariamente relevante, nos motivou. Então, a gente acha que a inspiração é o maior legado que a gente vai deixar, a longo prazo. Quem sabe a gente possa começar a pensar futuros períodos de isenção, que sejam cíclicos e economicamente estimulantes. Ainda não sabemos, mas vamos seguir ouvindo as pessoas para descobrir do que a nossa comunidade realmente precisa e qual a melhor forma de cumprir nosso papel social. Mas, sem dúvida, é uma inspiração que vai ficar no nosso imaginário para cada vez mais a gente fazer o nosso trabalho de uma forma articulada, relevante, comprometida com a nossa realidade social e, principalmente, voltada para a participação da nossa comunidade. Esse é o nosso papel. Ouvir, receber, preservar, transformar e devolver.
Kai Isaias: Ah, que legal. Que legal ouvir isso. E eu acho que é isso, Vê.
Verônica Fernandez: Falei demais, né? (risos) Esse projeto é muito precioso pra mim.
Kai Isaias: Acho que não! Foi uma conversa bem esclarecedora! Mas eu acho que é isso. Obrigada!
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